Sónia Santos Dias / SAPO / 9 nov 2020
É o terceiro maior peixe do rio do mundo, pode atingir
2,80 metros e pesar cerca de 120 Kg. O siluro invadiu o rio Tejo e está a reproduzir-se e a dominar ‘como um
leão’ a fauna deste rio. E não só piscícola, pois há relatos de caçar patos e
pombos nas margens. Só na barragem de Belver estima-se que possam já existir 10
mil siluros e, sem predadores, muitos peixes nativos que lhes servem de
refeição estão em risco de desaparecer. Os pescadores já estão a sentir esta
redução nas suas redes e temem que em poucos anos o Tejo fique sem peixe
nativo… e eles sem modo de vida. O ICNF diz que será elaborado um plano de ação
a nível nacional.
Narjess Hamecha-Daniels
Ricardo Vermelho é pescador profissional no rio Tejo
há 30 anos. Sempre pescou barbo, boga, lampreia e todo o tipo de peixe nativo e
migratório deste rio. Mas agora o peixe que lhe chega pelas redes não se
compara com o que pescava no passado. E o principal culpado, diz, é o siluro.
«Um dia destes apanhei um siluro que tinha uns 15 kg e tinha uma enguia, um
lagostim e um barbo quase com 2 kg dentro da barriga. Eles comem tudo o que
mexe. Até patos. Por isso, onde antes eu apanhava 10 kg de barbo agora apanho
um ou dois, se apanhar», afirma o pescador.
Também chamado de peixe-gato europeu, o siluro
(Silurus glanis) é um peixe voraz e um predador de topo que não encontra rival
e facilmente domina o ambiente onde entra. É o terceiro maior peixe de rio do
mundo e pode atingir 2,80 metros e pesar cerca de 120 Kg. Nativo da Europa
Central e Oriental, o siluro foi introduzido na Península Ibérica na década de
1970, na barragem do Riba-Roja, no rio Ebro, em Espanha. Os especialistas
acreditam que a partir daqui terá dispersado ou sido introduzido no Tejo por
pescadores desportivos uma vez que é um troféu aliciante para esta comunidade.
Ao Baixo Tejo terá chegado por volta de 2006.
Desde então tem vindo a reproduzir-se para números
preocupantes. «Quando começamos a estudar a espécie em 2016, numa campanha de
campo, apanhávamos aproximadamente 10 peixes durante uma semana. Atualmente, em
três dias, apanhamos entre 20 e 30 siluros. Hoje em dia é comum os pescadores
profissionais reportarem capturas de 30 a 50 siluros por dia. Em França, num
rio mais frio e não tão produtivo como o Tejo, colegas da Universidade de
Toulouse que trabalham com o siluro estimaram que em cada metro de rio existia
um siluro adulto, com mais de um metro. Ora se transpusermos este valor para a
barragem de Belver, por exemplo, que tem 10 quilómetros de extensão, é muito
provável que tenhamos mais de 10 mil siluros só na barragem de Belver porque o
rio Tejo é mais produtivo e quente, permitindo um maior crescimento
populacional», explica Filipe Ribeiro, biólogo e investigador do MARE – Centro de Ciências do Mar e
do Ambiente.
Filipe Ribeiro na barragem de Belver créditos:
EFE/J.J. Guillen
O investigador e a sua equipa marcaram e seguem
atualmente 30 siluros na barragem de Belver, para saber em que épocas do ano e
do dia estão mais ativos. «Verificámos que o siluro está mais ativo entre abril
e outubro, é uma espécie que ocupa mais a zona superficial da barragem.
Descobrimos, ainda, que existem alguns períodos do ano em que os siluros se
agregam em determinados locais das barragens, que podem estar associados à sua
reprodução mas também a comportamentos de refúgio de falta de oxigénio».
Contactado pelo SAPO, o Instituto de Conservação da
Natureza e das Florestas (ICNF) diz que a presença de siluros em Portugal tem
vindo a ser monitorizada desde a década de 90 do século passado, o que levou a
que, dada a capacidade de invasão da espécie, a mesma tenha sido classificada
como espécie exótica invasora em 1999 (Dec.-Lei n.º 565/99, de 21 de
dezembro). E reconhece que «espécies de
peixes e macroinvertebrados nativos, e até outros vertebrados como anfíbios,
mamíferos (pequenos roedores), e aves podem ser afetadas negativamente pelo
siluro, dada a sua capacidade de predação e a sua longevidade de até 30 anos».
Impacto dos invasores
A presença de alguns peixes exóticos leva a alterações
nos ecossistemas, acarretando custos ambientais e económicos para a sociedade.
Para além da predação de espécies nativas, está cientificamente provado que a
maior abundância de alguns peixes invasores, como o siluro ou a carpa, provoca
perda da qualidade de água, implicando maiores custos no tratamento de água
para abastecimento público. Os peixes exóticos podem ainda transportar doenças
ou parasitas transmissíveis às espécies já existentes em Portugal.
Doutorado em Biologia da Conservação, Filipe Ribeiro
trabalha com peixes dos rios de Portugal desde 1998. Participou no primeiro
estudo realizado em Portugal sobre o comportamento alimentar e o potencial
impacto deste peixe na biodiversidade local. Publicado em
dezembro de 2019, este estudo confirma que o siluro é um predador onívoro
oportunista de grande porte e elevado sentido predatório. Adapta a sua dieta ao
espectro de presas que encontra no ambiente, tornando-se numa grande ameaça à
biodiversidade local e ao modo de vida dos pescadores da região. «O maior de
que tenho conhecimento que foi capturado cá foi na Aldeia das Caneiras, em
Santarém. Tinha 2 metros e 60 Kg», conta-nos o biólogo. Em Espanha e França,
onde a espécie é invasora há mais tempo, já foi vista a sair fora de água para
caçar patos e pombos.
O perigo está literalmente à espreita. «O rio Tejo tem
uma fauna única em Portugal, isto porque uma boa parte dos peixes nativos são
endémicos de Portugal e Espanha, isto é, em todo o mundo só existem na
Península Ibérica. E duas dessas espécies são endémicos do Tejo - só existem no
Tejo e em mais lado nenhum do mundo - são elas a Lampreia-do Nabão e a
Boga-de-boca-arqueada de Lisboa, esta última existe no troço principal. O rio
Tejo tem ainda um conjunto de vários peixes migradores importantíssimos para nós,
como a lampreia-marinha, a enguia-europeia, o sável, a fataça, todos eles são
um recurso económico importantíssimo para as várias dezenas de pescadores que
vivem nesta região. Também estes peixes migradores fazem parte da cultura do
Ribatejo, dos pescadores Avieiros desta zona, fazem parte da identidade desta
região. Ora o siluro é um predador de topo, é como ter um leão dentro de água,
ninguém o preda e irá atingir enormes densidades alimentando-se destes peixes
nativos», destaca Filipe Ribeiro.
             
                     
                     
                     
                     
                
créditos: João Lobo
O que o estudo acima citado confirma já os pescadores
da região o perceberam nos anos mais recentes. Na zona de Mação, Ricardo
Vermelho assinala que «de dia para dia, de ano para ano, o nosso peixe nativo
está a acabar. Daqui a 4 ou 5 anos acaba mesmo. Os siluros comem tudo, não dão
hipótese. Se ninguém fizer nada o nosso peixe nativo vai acabar mesmo, porque
são milhares a comerem peixe todos os dias e ainda desovam muito, fazem muita
criação».
Da mesma opinião é Arlindo Marques, 55 anos, pescador
lúdico da freguesia da Ortiga: «Há dias apanhei um siluro com 25kg e 1,75, aqui
na ribeira mesmo encostada à barragem de Belver. Há muitos, muitos, é uma coisa
doida que anda aqui. Ninguém consegue parar isto. Eles são tantos que daqui a 4
ou 5 anos só eles é que vão dominar. É que já se veem muitos pequeninos e estes
pequeninos vão crescer».
Ora, usando o exemplo da barragem de Belver, a
estimativa de existência de 10 mil peixes adultos com um peso médio de 10
quilos perfaz 100 000 quilos de biomassa. Todos os dias estes peixes precisam
de 2% desse valor para sobreviver. Assim, todos os dias, consomem duas
toneladas de biomassa de presas… só nesta barragem.
Mais a sul o impacto não é tão visível, até porque o
siluro prefere águas mais calmas. João Lobo é pescador profissional há 25 anos
na zona da Aldeia do Porto da Palha, concelho da Azambuja. Por estas águas
pesca sável, lampreia, bargo, enguia, fataça, etc.. O pescador nota diferença
na pesca em relação há 25 anos, mas aponta o açude de Abrantes como o principal
fator que está a causar impacte ambiental no rio Tejo, pelo menos na sua zona
de intervenção, uma vez que este impede a livre circulação e desova do peixe. O
siluro ainda não é, mas começa a aparecer como fator preocupante. «O Tejo aqui
é muito forte, tem duas marés todos os dias muito grandes. Mas fora da zona de
maré já há colegas meus que estão com muitas dificuldades porque eles arrasam
tudo. E pode-se vir a complicar daqui a uns anos mesmo aqui no Tejo das marés.
Penso que até aqui os siluros nos vão criar problemas. Eu também já apanho
grandes, já capturei um com 28 kg que era mais alto do que eu. É um peixe de
grande porte», conta o pescador.
Com esta realidade reportada no dia a dia e os dados
de estudos científicos nas mãos, como se prevê ser a situação da população
piscícola no Tejo daqui a poucos anos? «Prevejo que teremos principalmente os
siluros de grandes dimensões, existirão também os migradores mais abundantes
como a fataça (tainha) que irão servir de alimento aos siluros. Penso que a
diversidade de peixes nativos e migradores será menor. Teremos menos peixes
como o barbo, a boga, o escalo», alerta o biólogo do MARE.
«DE DIA PARA DIA, DE ANO PARA ANO, O NOSSO PEIXE
NATIVO ESTÁ A ACABAR. DAQUI A 4 OU 5 ANOS ACABA MESMO. OS SILUROS COMEM TUDO,
NÃO DÃO HIPÓTESE»
Como controlar o siluro em águas portuguesas?
Dada a sua elevada taxa de crescimento, voracidade,
longevidade, versatilidade e alta fertilidade, o siluro é uma ameaça para
espécies de peixes autóctones e sustentabilidade das populações que vivem do
rio. Atualmente, e confirmado, em Portugal só existe siluro no troço principal
do rio Tejo e nas suas barragens: Fratel, Belver e Tejo Internacional. Existem,
no entanto, já alguns registos no troço do rio Douro mas necessitam de
confirmação, segundo nos revela o biólogo. O ICNF relata ainda casos recentes na
albufeira do Sabor (Bragança) e na barragem da Aguieira (Penacova).
A grande questão é, com todas estas características e
não tendo predadores, como se controla esta população invasora? «Seria
importante que os pescadores desportivos não devolvessem o siluro quando o
pescam. A grande maioria dos pescadores profissionais mata o siluro, porque
sabem que o siluro preda as lampreias, as carpas, os sáveis. Seria importante
que todos os pescadores desportivos cumprissem com a obrigatoriedade de não
libertar os siluros de volta. Ou seja, que os retirassem dos rios e barragens.
Mas creio que isso não é suficiente. Seria urgente implementar-se um programa
de remoção do siluro e acompanhar a sua evolução ao longo de vários anos»,
destaca o investigador Filipe Ribeiro.
Questionado sobre o que está a ser feito para
controlar os siluros em Portugal, o ICNF reconhece que «as espécies constantes
da Lista Nacional de Espécies Invasoras com ocorrência verificada no território
nacional, como é o caso do siluro, devem ser objeto de planos de ação nacionais
ou locais com vista ao seu controlo, contenção ou erradicação, os quais podem
também abarcar grupos de espécies com características semelhantes». Em termos
de intervenção, indica que «quaisquer planos de ação nacionais deverão ser
promovidos pelas entidades competentes em razão da matéria, em articulação com
o ICNF, e aprovados por Resolução do Conselho de Ministros (os planos de ação
locais deverão ser promovidos por qualquer entidade pública ou privada com
competência ou interesse na matéria, e aprovados pelo ICNF)».
Porém, remete a realização de um plano de ação
nacional para depois da finalização do projeto INVASAQUA, um consórcio de conhecimento
ibérico que analisa a presença desta espécie no território: «A finalização e as
conclusões do projeto INVASAQUA a decorrer neste momento e o envolvimento de
várias outras entidades permitirão finalizar a elaboração de um plano de ação
nacional para esta espécie, no mais breve espaço de tempo possível». Porém é de
salientar que este projeto só termina em 2023, tempo que os pescadores dizem
não ter. «Daqui a três anos o problema vai ser muito mais difícil de
controlar», comenta o biólogo Filipe Ribeiro.
Vídeo: Marcação de Siluros na Barragem de Belver
Créditos: H. Henriques/Alamal River Club
De qualquer forma, atualmente, como nos indica o ICNF,
a lei criminaliza a devolução e siluros à água. Assim que são apanhados, os
siluros devem ser consumidos ou destruídos. «Tal como consta da legislação em
vigor, estando o siluro incluído na lista de espécies exóticas invasoras, está
interdita a devolução à natureza de espécimes que sejam capturados no exercício
de uma atividade regulada por legislação especial, como a pesca [(alínea c) do
n.º 1 do artigo 19.º do Dec.-Lei n.º 92/2019, de 10 de julho]. Desse modo, qualquer espécime
capturado deverá ser objeto de consumo ou destruição, tendo em atenção que
legalmente está interdita a detenção, cedência, compra, venda, oferta de venda
e transporte de espécimes vivos».
A população pode também contribuir para gerar
conhecimento sobre as espécies invasoras e assim ajudar ao seu combate. Sempre
que vir ou capturar um siluro pode registar essa ocorrência na página
do projeto FRISK , que analisa o percurso dos peixes exóticos em
Portugal.
 
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